quinta-feira, 1 de setembro de 2011

.:Entrevista a um Homossexual SÁBADO, 19 DE ABRIL DE 2008


Objectivo:

«     Conhecer melhor os modos de vida dos homossexuais e saber quais os principais problemas com que se deparam no seu dia-a-dia.

Perguntas:

1.     Fale um pouco de si: idade, actividade profissional, local de residência, origem geográfica (meio rural ou urbano/norte ou sul), origem familiar (família pobre/rica/de comerciantes) …

            Tenho 27 anos, trabalho num bar (em part-time), mas ando à procura de trabalho na minha área – design gráfico. Actualmente, moro em Lisboa, embora seja do Ribatejo. A minha família é de classe média (a minha mãe trabalha como governanta e o meu pai é gerente numa oficina de mecânica).

2.     Quando é que percebeu que a sua orientação sexual era esta?

            Percebi que era homossexual por volta dos 11 anos de idade, talvez um pouco mais cedo. Sempre me achei “diferente” do resto dos rapazes, porém, só consegui “dar um nome” a esta “diferença” por volta dos 11 anos. Ao perceber a minha orientação sexual, senti uma espécie de confirmação de uma suspeita. Mais tarde, ao aperceber-me do impacto social que esta situaçãocausaria, comecei a ter medo e vergonha. No entanto, nunca reprimi a minha sexualidade, ou seja, a nível pessoal, aceitei-a muito bem.

3.     Como lida com a sua homossexualidade no dia-a-dia (assumido ou não, perante quem/relação estável ou não, escondida ou aberta/situação no trabalho)?

            Eu sou um homossexual assumido para com os familiares, osamigos e os colegas de trabalho. Assim, não tento esconder a minha homossexualidade, porém, não a demonstro, na medida em que sou contra exibicionismos gratuitos.
            Neste momento, não me encontro em nenhuma relação, mas a anterior era “oculta”, uma vez que o meu companheiro não se assumia como homossexual.
            No local de trabalho, falo abertamente com os meus colegas acerca da minha orientação sexual, no entanto, não me exponho, no sentido em que não falo abertamente com todos sobre isso, mas apenas com amigos. Infelizmente, já me aconteceu informar um amigo de que sou gay e este decidir afastar-se de mim… Possuo ligeiros maneirismos não exagerados, porém, quem olhar para mim dirá que sou um rapaz gestualmente expressivo, nada mais.

4.     A sua família tem ou não conhecimento? Se sim, qual foi a reacção da mesma?

            A minha família mais próxima, isto é, pais e irmãos, sabe e reagiu bem, à excepção do meu pai, que me pôs fora da sua casa (os meus pais estão divorciados). Não houve qualquer tipo de violência, física ou verbal, por parte dele, apenas o silêncio e o afastamento (não comunicamos há já oito anos). Alguns dos meus primos e tios também têm conhecimento da minha homossexualidade e aceitam plenamente.
            Porém, a maioria das famílias dos meus amigos homossexuais tem reacções más que, com o passar do tempo, tendem a melhorar, mas, obviamente, também existem casos em que os familiares aceitam muito bem. No entanto, uma grande parte dos meus amigos ainda não contou, sequer, aos pais, na medida em que temem, por vezes, uma possível rejeição por parte dos mesmos.

5.     Se possível, caracterize a comunidade (ou população) homossexual.

            A comunidade homossexual é tal e qual a heterossexual: também é constituída por promíscuos e pessoas fiéis, indivíduos simpáticos e antipáticos, com gostos diferentes, ou seja, no seio desta existe toda uma panóplia das mesmas personalidades que criam a população heterossexual… A única diferença está no facto de nós, homossexuais, amarmos/sentirmo-nos atraídos por pessoas do mesmo sexo.
            No entanto, na verdade, há algo que distingue a comunidade LGBT– Lésbica, Gay, Bissexual e Trangender – (este termo é mais correcto que “comunidade homossexual”) da heterossexual, relativo à questão da imagem e da superficialidade, que está mais assente na população LGBT, embora isso também se verifique na comunidade heterossexual. Estas pessoas (felizmente, um grupo restrito) julgam os outros apenas pela sua imagem e representam as que gostam de “dar nas vistas”. Contudo, é possível conviver durante muitos anos com um indivíduo homossexual e nunca nos apercebermos da sua orientação sexual. Mas há, também, aqueles homossexuais que “dão nas vistas” (por exemplo, na forma de andar e falar – os tais maneirismos) e não o fazem de propósito, isto é, são assim “por natureza”, apesar de muita gente, erradamente, alegar que agem assim propositadamente.

6.     Na sua opinião, como é actualmente encarada a homossexualidade pela população em geral?

            A população em geral tolera: apesar de haver muita gente preconceituosa, a maioria não insulta, até porque muitos indivíduos já sabem que a homossexualidade não é uma opção sexual nem uma doença. Grande parte da comunidade prefere que os homossexuais não demonstrem afectos em público, o que, para mim, é injusto, uma vez que um casal heterossexual evidencia, sem problemas, “carinhos” em público. Assim, simultaneamente, há e não há tolerância... Efectivamente, muitas pessoas ainda acreditam que, numa relação homossexual, tem de haver, obrigatoriamente, alguém que desempenhe o papel feminino e alguém que exerça o papel masculino; que todos os gays são sensíveis e detestam desporto; que todas as lésbicas são feias e fortes; que os bissexuais são homossexuais não assumidos...
            A homossexualidade, até 1973, era considerada doença psicológica, o que faz com que muitos idosos ainda pensem assim, mesmo aqueles que a aceitam ou toleram. Então, passou a ser encarada como "opção sexual" e, actualmente, “orientação sexual”, que, a meu ver, não define claramente como nós, no geral (ou seja, enquanto humanos), somos. Na minha opinião, tanto a hetero como a homossexualidade são orientações emocionais, psicológicas e sexuais.
            A discriminação sobre a comunidade LGBT, infelizmente, ainda é alta, porém, actualmente, ocorrem menos demonstrações de violência. No entanto, no “interior”, esta ainda é muito elevada, mas acho quemuitos indivíduos não demonstram a sua antipatia porque a sociedade é cada vez mais sensível em relação às minorias. Algumas pessoas vêem a homossexualidade como algo antinatural (apesar de estar provado que a maioria dos animais tem práticas homossexuais); outras acham-se superiores a tal orientação, isto é, uma vez que a heterossexualidade representa a norma, em termos de sexualidade humana, e a homossexualidade existe numa percentagem menor, alguns heterossexuais pensam-se melhores; certas pessoas discriminam porque não conseguem lidar com a sua própria homossexualidade (caso dos homossexuais “reprimidos”). Neste momento, não nos encontramos no ideal duma “sociedade para os homossexuais”, como é o caso da Dinamarca, mas penso que estamos no caminho certo para uma maior igualdade! Realmente, os homossexuais deveriam gozar dos mesmos direitos que os heterossexuais, pois vivemos numa democracia. Todavia, isso deveria acontecer com todos os cidadãos, isto é, independentemente da sua cor, sexo, sexualidade, crença... Uma sociedade que não nos “condenasse” seria muito agradável! Tentar mudar as mentalidades mais “arcaicas” passa por, acima de tudo, educar, ou seja, sensibilizar as pessoas e desmistificar as informações falsas. Penso também que a discriminação acontece e se modifica por fases/ciclos... Esta está muito relacionada com as diferentes gerações, acho eu... Esta nova geração, portanto, os mais jovens, discrimina muito, mas a dos idosos também. Porém, estas discriminações têm características diferentes: os idosos discriminam porque desconhecem (e o ser humano teme o desconhecido), enquanto que os novos discriminam por acharem a homossexualidade algo nojento ou antinatural...
            Nem todos os homossexuais optam por andar de mão dada com o(a) companheiro(a), e isto por diversas razões: um dos membros do casal pode ser “não assumido” (ou ambos); quando se encontram em locais que desconhecem, receiam possíveis ataques; tal como eu, podem não gostar de mostrar afecto em público, entre tantos outros motivos.
            Eu já assisti a insultos destinados a homossexuais, mas estes são lançados tal e qual como comentários negativos a pessoas baixas, altas, magras, gordas... Tive ainda conhecimento do caso de um rapaz cujos supostos melhores amigos encontraram perto de um bar “misto” e agrediram fisicamente. Pelo que soube, este foi atacado apenas pelo simples facto de estar a falar com um indivíduo assumidamente gay...

7.     Já alguma vez se sentiu discriminado por causa da sua orientação sexual? Fale-nos de alguma situação pela qual tenha passado.

            Sim, já me senti discriminado por ser homossexual, no entanto, não de forma directa. Passo a explicar: na escola (“liceu” – 10.º ao 12.º anos), a meio de um debate sobre discriminação nas instituições escolares, assumi-me (nem sei bem de que forma o fiz) como homossexual. Mais tarde – já na faculdade –, soube que a minha turma, desde o dia do tal debate, passou a proteger-me de todas as pessoas que, escondidamente, me ofendiam, explicando aos criticadores que não era correcto caluniarem-me pela minha orientação sexual.

8.     O que pensa acerca das diferentes posições religiosas relativamente à homossexualidade?

            As posições religiosas, relativamente à homossexualidade, no geral, estão mal fundamentadas. Penso que se perdeu muito das origens das diversas religiões... Por exemplo, no caso da Igreja Cristã, a pregação do respeito e do amor ao próximo já não se encontra tão patente. As religiões tornaram-se demasiado activas a nível da política, de maneira que lhes seria bastante benéfica uma reforma qualquer...
            Sei que o Cristianismo, de certa forma, tolera a homossexualidade, desde que esta não seja praticada; o Islamismo condena e chega mesmo a queimar homossexuais; o Judaísmo também condena e excomunga; o Budismo aceita esta orientação sexual, na medida em que a vê como uma forma de “expressão da alma”; o Taoísmo – movimento religioso chinês – aceita, uma vez que também permite todas as outras formas de orientação sexual; desconheço a posição doProtestantismo, no entanto, acho que deve ser minimamente tolerante relativamente à homossexualidade, talvez como forma de “provocar” os cristãos.

9.     Como se sente relativamente ao facto de o casamento civil entre homossexuais, em Portugal, não ser permitido?

            Na minha opinião, o casamento civil entre homossexuais devia ser permitido. Os heterossexuais têm a opção de casar ou não, enquanto os homossexuais não possuem o direito de realizar essa escolha... Eu quero poder dizer "Não me quero casar!", e não "Não me posso casar...". Dessa forma, nós, homossexuais, teríamos a hipótese de casar e desenvolver uma vida em conjunto, de forma aberta e legal. E, muito importante, em caso de doença/acidente, poderíamos ir visitar o nosso cônjuge ao hospital, tal como receber heranças e comprar imóveis conjuntamente.
            Há inúmeras vantagens que nos são facultadas num casamento e que não são numa união de facto... Falando ainda do caso de recebimento de heranças, imaginemos que o meu namorado morre e me deixa, em testamento, uma casa. Estando eu apenas em união de facto com ele, a família directa (pais e irmãos) possui maior poder de decisão que eu. Logo, se essas pessoas não quiserem que eu fique com a tal casa, eu não tenho poder suficiente para discordar. Contrariamente a esta situação, em caso de casamento civil, eu passo a deter maior “autoridade”, uma vez que também sou familiar directo (segundo a lei, cônjuge à pais à irmãos).

10.      E em relação à adopção por homossexuais não ser, também, permitida?

            A minha opinião, relativamente a este assunto, é um pouco incerta... Penso que, neste momento, Portugal ainda não está socialmente apto para que a adopção por homossexuais seja aceite, mas é óbvio que há pessoas que compreendem que dois homens ou duas mulheres podem criar uma criança tão bem como um homem e uma mulher. Porém, a maioria da população portuguesa ainda possui, a nível deste tema, a mentalidade subdesenvolvida.
            Eu sou a favor da adopção por homossexuais, pois tenho plena consciência de que é algo que funciona, uma vez que conheço casais, no nosso país, em que tal situação decorre naturalmente.
            Assim, acho que, por enquanto, esta lei não deve ser alterada, mas, possivelmente, corrigida (ou seja, contendo passagens directamente relativas a casais LGBT, como a possibilidade de uma avaliação da situação do casal homossexual, de modo a que se averigúe a existência das condições necessárias à educação de uma criança, e, talvez, a verificação da presença regular de um indivíduo do sexo masculino/feminino (consoante o caso)).

11.       O que pensa que se poderá fazer para facilitar a integração social dos homossexuais?

            A meu ver, é necessário condenar as práticas preconceituosas que ocorrem em ambientes mais pessoais (grupo de amigos, local de trabalho, escola) e educar a população no sentido de uma maior sensibilizaçãodas diferenças de cada um. E há também aquelas simples acções que todos nós podemos efectuar, inclusivamente os heterossexuais, explicando, a amigos e conhecidos, que é errado discriminar.

Conclusões:
           
            Após a realização desta entrevista, concluímos, novamente (tendo em conta o primeiro testemunho, de uma lésbica), que a revelação da orientação sexual homossexual se faz, principalmente, a amigos mais íntimos e familiares. Compreendemos que, aquando desta revelação a familiares, a reacção nem sempre é positiva, porém, na maioria das vezes, tende a melhorar.
            Aprendemos que o melhor termo para designar a população homossexual é “comunidade LGBT – Lésbica, Gay, Bissexual e Trangender”.
            Percebemos que, na maior parte dos casos, a sociedade tolera mais do que aceita, e que a discriminação (segundo o entrevistado, ainda elevada) se desenvolve, muitas vezes, no interior das pessoas, podendo nunca chegar a ser exteriorizada. O inquirido mostra-se confiante, na medida em que é da opinião que a sociedade portuguesa, neste momento, avança para o sentimento de uma maior igualdade pelas minorias (como é o caso dos indivíduos homossexuais). Apreendemos também que o facto de muitos idosos, na altura em que realizámos o inquérito à população, encararem a homossexualidade como uma doença, se deve ao facto desta, até 1973, ter sido considerada uma doença psicológica (inclusive pela OMS – Organização Mundial de Saúde).
            Este entrevistado, comparativamente com o anterior, demonstrou uma maior percepção de várias posições religiosas relativamente à homossexualidade. Através da resposta a esta pergunta (oitava), foi-nos possível concluir que as diversas religiões encaram de forma diferente a comunidade LGBT, isto é, tendo em conta os princípios pelos quais se guiam.
            Mais uma vez, “fitámos” a lei que proíbe o casamento civil entre gays e lésbicas como uma enorme arbitrariedade contra os casais homossexuais, uma vez que, na nossa opinião, este não se trata de um assunto dúbio, ao contrário do tema “adopção por homossexuais”.
            O inquirido mencionou algo bastante importante e útil para a facilitação da integração social da população LGBT: alguns de nós, enquanto cidadãos que não discriminam, temos o dever de alertar os que, de certa forma, excluem os homossexuais, para que não o façam.

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